A singularidade de Jesus Cristo
Abaixo você lê a reflexão do bispo anglicano Robinson Cavalcanti feita ontem no 6º Congresso Brasileiro de Missões. Ele faz críticas aos esforços secularistas (dentro e fora da igreja) de negar o cerne do Cristianismo: a singularidade de Jesus Cristo.
A Singularidade de Jesus Cristo
1. O Que Diz o Mundo a Respeito de Jesus?
“Que dizem os homens quem eu sou?”. Essa pergunta do Messias ecoa através dos tempos plena de respostas incorretas. Um mestre, um profeta, um filósofo, um charlatão, um doente mental, um agitador social, e por aí vai, em contraste com os discípulos de todas as épocas, que continuam a reafirmar: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.
A negativa dessa singularidade tem marcado as grandes religiões mundiais, bem como grande parte das ideologias e filosofias. É da natureza de uma humanidade caída, e do ministério satânico, essa negação. O homem natural, os pensadores naturais, e as potestades espirituais da maldade, sabem que, com essa negação, estão atacando o cerne da fé cristã, tentando destruí-la. Religiosos ou ateus, da Palestina do primeiro século à Europa Ocidental dos nossos dias, têm centrado o seu ataque ao caráter único, singular da pessoa de Cristo. Não apenas as ideologias totalitárias do século passado, com suas falsas certezas, mas o secularismo pós-moderno, com suas falsas dúvidas, o seu relativismo, persegue o mesmo objetivo.
A negação da singularidade de Cristo tem estado presente no pensamento ocidental desde o Iluminismo, não apenas pelos filósofos de fora, como pelos teólogos de dentro: o cavalo de Tróia, antes representado pelo Liberalismo Moderno, e hoje representado pelo Liberalismo Pós-Moderno, ou Revisionismo. Os que de dentro compactuam desse nefasto projeto – não importa nomes, títulos, ou símbolos – não são mais cristãos, no sentido que temos nos entendido por dois mil anos, mas hereges, e, sim, fundadores de uma outra religião.
Para os críticos radicais, que defendem uma Nova Era de uma fraternidade humanista e secular, com a convivência de várias “verdades” em um mundo de paz, não haveria lugar para o Cristianismo e as suas singularidades. Dentre as vinte e uma teses do chamado “Jesus Seminar”, um autor contemporâneo destacou doze delas que nos confrontam diretamente: “1. Não existe um deus exterior ao mundo material; 2. O darwinismo matou de vez a doutrina de uma criação especial conforme a narrativa bíblica; 3. A desliteralização da narrativa bíblica das origens acabou de vez com o dogma do pecado original; 4. Os milagres de Jesus são uma afronta à justiça e à integridade de Deus; 5. Jesus não é divino; 6. A ideia de Jesus como redentor é arcaica; 7. O nascimento virginal de Jesus é um insulto à inteligência moderna; 8. Jesus não ressuscitou dos mortos; 9. Não existem mediadores entre Deus e o homem; 10. O reino de Deus é uma viagem sem fim e uma perpétua odisseia; 11. A Bíblia não contém modelos objetivos de conduta. 12. As reconstruções da pessoa e obra de Jesus podem ser modificadas” (Júnior, Manuel Alexandre, 2001, pp.9-10).
Recentemente, a dirigente maior de uma denominação norte-americana, afirmou: “Jesus é um caminho, e o meu caminho, mas não o caminho”. Um culto foi celebrado naquele país para pedir desculpas aos bramanistas porque enviamos missionários cristãos para a Índia. E em uma das principais igrejas de Washington um pregador disse: “A afirmação de que Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida, e que ninguém vai ao Pai senão por ele, foi uma terrível adição do evangelista às palavras de Jesus, algo arrogante, imperialista e politicamente incorreto”. E, no Brasil, um documento teológico de uma conhecida denominação diz que a Igreja é “um ente social, cultural e afetivo, onde não há lugar para doutrinas nem normas de comportamento”, e que a Bíblia é “um respeitável documento da tradição cultural judaica, útil para a devoção privada e para o uso litúrgico, mas a quem não se deve perguntar sobre doutrinas nem normas de comportamento”.
2. Enfrentando o Erro no Mundo e na Igreja
Creio que os cristãos não podem se isolar da conjuntura do seu tempo e lugar, mas conhecê-la, enfrentá-la, confrontá-la e ministrá-la. Em cada capítulo importante da História da Igreja, foi fundamental o ministério dos polemistas no combate às heresias internas, e dos apologistas, no combate aos desafios ideológicos e culturais externos. E esse duplo ministério do pensar continua extremamente relevante nos nossos dias, e nem sempre estimulado ou apoiado.
Mas, por mais importante que seja a disciplina intelectual de polemistas e apologistas, quebrando barreiras, demolindo distorções, abrindo clareiras mentais, não será por aí que mudaremos as mentes dos incrédulos e dos adversários. A confissão na singularidade de Jesus Cristo apenas ocorre com um coração regenerado, iluminado pelo Espírito da Verdade, após a experiência do novo nascimento.
Não podemos nos esquecer que as verdades espirituais da revelação parecem sempre loucura aos irregenerados, e que somente se discernem espiritualmente. A singularidade de Cristo é confessada pela fé pelos que não resistiram à Graça.
Vivemos, e somos enviados, em uma época de recrudescimento da perseguição à Igreja, tanto pelas antigas religiões – particularmente o Islã – ou pelo remanescente de ideologias materialistas, mas, o fato mais recente e mais preocupante é o Secularismo como ideologia hegemônica no Ocidente após a derrocada do Império Soviético, que cresce, ironicamente, no antigo “mundo livre”, hoje visível na academia, nas artes, na mídia e no aparelho do Estado, desqualificando o monoteísmo de revelação – particularmente o Cristianismo, vedando o nosso pensar e o nosso agir na esfera pública, empurrando-nos para a irrelevância das nossas subjetividades, e dos espaços privados dos lares e dos templos. O multiculturalismo, o “politicamente correto” e a agenda da morte: aborto-homossexualismo-eutanásia, são faces decorrentes desse Secularismo, que não é algo de um remoto a fora, mas que rapidamente chega, também, à nossa Pátria.
No centro dessa ideologia estará sempre a negação da singularidade de Jesus. Setores da Igreja, já por muito tempo, têm incorporado essa negação a suas (des)crenças, esvaziando os templos dos espaços euro-ocidentais, e já se fazendo sentir os seus efeitos deletérios em seus imitadores tupiniquins, ferindo um precioso tesouro compartilhado por muito tempo pela maioria das igrejas da Reforma em nosso País: o Evangelicalismo, com sua ênfase na autoridade das Sagradas Escrituras, no sacrifício vicário na Cruz, na experiência do novo nascimento e no imperativo missionário.
Fomos alcançados pelo Evangelho sob a moldura do Evangelicalismo, e sob essa moldura temos alcançando a tantos. A responsabilidade da Igreja brasileira para com o mandato missionário aos não alcançados e aos desalcançados, dentro e fora do nosso País, passa pela reafirmação dos princípios que caracterizam o Evangelicalismo, dentre eles a singularidade de Jesus. É sob essa bandeira que devemos nos manter, nos unir e avançar, no poder do Espírito Santo.
3. O Que Nós Dizemos ao Mundo sobre Quem É Jesus Cristo
Como evangélicos, e defensores de uma missão integral da Igreja, queremos proclamar, ensinar, integrar os convertidos a uma comunidade de fé, queremos servir aos necessitados e queremos exercer um ministério profético, de consciência moral, na denúncia às estruturas iníquas da sociedade, na defesa da vida e da integridade da Criação, tendo como premissa o caráter único da vida e ministério de Jesus de Nazaré, tanto histórico como o Cristo da fé, nosso único Senhor e Salvador.
John Stott, que nos deixou esse ano, lembrava da necessidade de nos fundamentar na subjetividade da nossa experiência de fé e na objetividade do ensino das Sagradas Escrituras. E ambas nos asseguram essa singularidade. A singularidade de Jesus é indissociável da singularidade das Sagradas Escrituras, e da singularidade dos ensinos delas emanados.
Como o autor da Carta aos Hebreus, cremos que o Pai, por meio dele fez também o mundo, constituído herdeiro de tudo, sendo Ele “o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas, pela palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas” (Hb 1:2-3).
Com S. João, o evangelista, vemos que esse Messias prometido aos judeus pelos profetas, luz para as nações no episódio simbolizado pela Epifania (ou adoração dos sábios do Oriente), era também o Logos universal especulado pelos gregos, que estava desde o princípio, que era desde o princípio, que estava com Deus e era Deus, pois “Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo 1.1-4). Essa Palavra se fez carne e habitou entre nós, “cheio de graça e de verdade” (Jo 1:14).
Com o apóstolo Paulo, em sua Carta aos Colossenses, cremos que “...nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades: tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem nele. E ele é a cabeça da igreja: é o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha preeminência. Porque foi do agrado do Pai que toda plenitude nele habitasse. E que havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus” (Cl 1:16-20).
E, com o exilado de Patmos, esperamos um final e uma transformação final de todas as coisas, a ordem da restauração, com um novo céu e uma nova terra. Movidos pela bendita esperança, na adoração do Cordeiro, lemos: “E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras” (Ap 21:5).
Essa clara revelação escriturística foi elaborada e afirmada pelos Apóstolos, pelos Pais Apostólicos, pelos Pais da Igreja e pelos Concílios da Igreja Indivisa, iluminados pelo Espírito Santo, como expressão do consenso dos fiéis. Vencidas as controvérsias iniciais, documentos oficiais passaram a expressar essas verdades cristológicas.
O Credo Niceno-Constantinopolitano estatui: “E em um só Senhor Jesus Cristo, unigênito de Deus; gerado de seu Pai antes de todos os mundos, Deus de Deus, Luz de Luz, Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus; gerado, não feito; por quem todas as coisas foram feitas: o qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu, e encarnou, por obra do Espírito Santo, da Virgem Maria, e foi feito homem: foi também crucificado por nós, sob o poder de Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado; e ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras; e subiu ao céu, e está sentado à mão direita do Pai; e virá outra vez com glória, a julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim”.
O Credo Atanasiano, por sua vez, é peremptório: “Logo, a fé correta é que creiamos e confessemos que nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, é Deus tanto quanto homem”.
Essas crenças fundamentais têm sido confessadas dominicalmente, por dois mil anos, na Liturgia da Palavra e dos Sacramentos nas Igrejas do Oriente e do Ocidente.
Com a Reforma Protestante do Século XVI, por suas diversas correntes essa compreensão cristológica foi veementemente reafirmada em suas importantes Confissões Doutrinárias. Em seu próprio Credo se expressava Martinho Lutero: “Creio em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, que é meu Senhor. Que me remiu, perdido e condenado, libertando-me do pecado, da morte e do poder do maligno, não com ouro ou prata, mas com o seu Sangue e com seu sofrimento e pela morte inocente, para que lhe pertença para sempre e viva uma vida nova com Ele mesmo, que ressuscitado dentre os mortos, vive e reina eternamente. E isto é, com toda a certeza a verdade”.
Na mesma conjuntura histórica, o Anglicanismo, pelo artigo II dos 39 Artigos de Religião, tem confessado: “O Filho, que é o Verbo do Pai, gerado da eternidade do Pai, verdadeiro e sempiterno Deus, e consubstancial com o Pai, tomou a natureza humana no ventre da bendita virgem e da sua substância; de sorte que as duas inteiras e perfeitas Naturezas, isto é, divina e humana, se uniram em uma Pessoa, para nunca mais se separarem, das quais resultou Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem; que verdadeiramente padeceu foi crucificado, morto e sepultado, para reconciliar seu Pai conosco, e ser vítima, não só pela culpa original, mas também pelos atuais pecados dos homens”.
O Quadrilátero de Lambeth, aprovado em 1888, considerou como essenciais para qualquer busca pela unidade dos cristãos, em seus primeiros dois itens, tanto a crença nas Sagradas Escrituras como sendo a regra e padrão de fé, quando as doutrinas – inclusive cristológicas – contidas no Credo dos Apóstolos e no Credo Niceno.
Foi essa experiência e compreensão da fé que tem marcado a vida e a morte de inúmeros mártires na História da Igreja, e que tem movido a paixão missionária de inúmeras vidas sacrificiais que tem levado o Evangelho a todos os recantos do globo. Essa é a compreensão e a fé de cada pessoa que se encontra nesse recinto hoje, e daqueles que respondem ao chamado missionário a partir do Brasil, para todos os recantos geográficos e sociais da nossa Pátria e do mundo.
A singularidade de Jesus Cristo é, pois, um princípio central, basilar, inquestionável e inegociável da Igreja, e elemento essencial da sua identidade. Sem a afirmação desse princípio, a Igreja não teria se constituído, não teria se expandido, não teria atravessado séculos, nós não estaríamos aqui hoje reunidos, e, muito menos, dedicando as nossas vidas em esforços missionários.
Como Paulo, escrevendo aos coríntios, continuamos a afirmar: “Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado”. Somos o que somos firmados em uma tríplice verdade: a manjedoura, a cruz sangrenta e o túmulo vazio.
4. Mais do que uma Afirmação Formal
Sabemos da importância da experiência da fé e da confissão articulada da fé, evitando sempre a mera ortodoxia fria das definições corretas sem vida, e, por outro lado, a ênfase na subjetividade da fé, seus sentimentos e emoções, menosprezando a elaboração e a confissão correta dessa mesma fé. As revelações privadas não podem ser recebidas ao arrepio tanto das Escrituras quanto dos Credos e Confissões. E ambas – experiência e confessionalidade – devem estar vinculadas à ética, ao comportamento adequado ao nível pessoal e social, que as evidenciam: a fé no Cristo, a confissão do Cristo, a vida no Cristo.
Quem somos e o que fazemos, muitas vezes, fragilizam o que nós afirmamos.
Singularidade de Jesus Cristo, Singularidade da Igreja de Jesus Cristo, Singularidade da Missão da Igreja de Jesus Cristo, Singularidade da Ética da Igreja de Jesus Cristo.
A singularidade de Jesus Cristo deveria estar vinculada à singularidade da Igreja de Jesus Cristo. Não uma singularidade apenas no campo místico, dito espiritual, ou “invisível”, pois o invisível ninguém vê, mas na visibilidade social e histórica, na concretude das relações fraternais, de um Corpo com uma face, nos vínculos de afeição, que se evidenciam na capacidade de se viver e atuar em conjunto, inclusive na esfera institucional.
A igreja reduzida ao localismo das congregações, ao exercício do sectarismo separatista, confundindo livre exame com livre interpretação, mascarada pela retórica neoplatônica de uma pretensa unidade imaterial, não concorrem para convencer sobre a singularidade da Igreja do Cristo singular, hoje escandalosamente dividida em mais de 39.000 denominações, jurisdições, ministérios, ou outro nome que se queira dar a essa explosão irresponsável do pecado do cisma. A debilidade da elaboração eclesiológica da Reforma, a iconoclastia, a lenda trágica da apostasia geral da Igreja, o restauracionismo, concorreram para o lastimável estado atual, quando a Igreja perdeu a sua natureza sagrada, a sua natureza de mistério, e se reduziu a uma visão secularizada, de mera associação e empresa, ao sabor da livre iniciativa, do mercado, das ambições pessoais, do poder personalizado, e, cada vez mais, dinástico.
A singularidade de Jesus Cristo deveria estar associada à singularidade e integralidade da missão da Igreja de Jesus Cristo, não à sua parcialização ou mutilação. A singularidade de Jesus Cristo é negada quando não proclamada, a tempo e fora de tempo, pela criatividade de todos os meios e modos lícitos, na dimensão evangelística, kerigmática, ou quando não se integram os convertidos a uma comunidade de fé, na dimensão koinônica, ou quando não se ensina a esses novos convertidos e batizados todo o conselho de Deus, na dimensão didática, de compromisso com toda a verdade, e combate a toda a heresia.
A singularidade de Jesus Cristo também é negada quando não despertamos no coração dos fiéis respostas de misericórdia às necessidades humanas, dando de comer ao que tem fome, de beber ao que tem sede, amparando os órfãos, as viúvas e os estrangeiros, seguindo o exemplo do Bom Samaritano, evidenciando a fé com as obras, tão tristemente escassas em milhares de comunidades, marcadas pela indiferença, insensibilidade e irresponsabilidade, que confessam a fé no Cristo Crucificado. A singularidade de Jesus Cristo ainda é negada quando silenciamos como consciência moral da nação, quando pecamos pela não obediência à dimensão profética da nossa missão, quando não denunciamos as estruturas iníquas da sociedade e não defendemos a vida e a integridade da Criação.
A singularidade dessa Missão Integral da Igreja do singular Jesus caminha com a singularidade de uma Espiritualidade Integral, formada pela contemplação, pela reflexão e pela ação, se evitando os riscos unilaterais do misticismo alienante, do academicismo árido e do ativismo frustrante.
A singularidade de Cristo, da sua Igreja e da Missão da sua Igreja, se relacionam, por fim, com a Ética da sua Igreja. Ética que tem como fontes a Lei e os Profetas, os exemplos e os discursos de Jesus e o ensino apostólico, que foi pensada pelos Pais Apostólicos e os Pais da Igreja, pelos Concílios da Igreja Indivisa e pelos Reformadores, mais uma vez estabelecendo um consenso dos fiéis iluminados pelo Espírito Santo. A Ética do Reino de Deus, que não se confunde com a moral cultural de cada tempo e lugar, embora com elas interaja. Ética, em seu conjunto de valores, que diz respeito não somente a reconstrução do novo homem à imagem do varão perfeito, e como fruto do Espírito (o que implica em caráter, temperamento e sentimentos renovados), em permanente processo de superação da obra da carne, mas que se projeta na promoção desses valores, como a honestidade, a justiça e a paz, nas relações interpessoais e na vida das comunidades, instituições e nações, como antecipação possível, ensaio e vanguarda da nova humanidade que habitará um dia o novo céu e a nova terra.
Infelizmente o reducionismo moralista-legalista, o ensino de pessoas pretensamente iluminadas e possuidoras de uma “mediunidade protestante”, a sacralização de elementos da própria cultura, de culturas importadas ou de subculturas religiosas, têm substituído e empobrecido a Ética singular do Reino. Essa aplicação concreta da Ética do Reino deve incluir uma abertura para a contribuição da Filosofia e das Ciências Humanas, a sinceridade e a seriedade no acercamento à Palavra de Deus, e a humildade nas conclusões marcadas pela finitude humana, e a busca do ideal de um dos Pais da Igreja: “No essencial unidade, no acidental diversidade e em tudo caridade”. Se os liberais pecam pela negação do essencial, conservadores pecam por insistir em considerar essencial o acidental, e ambos na ausência do exercício da caridade.
O mundo está carente de ser confrontado com a singularidade de Cristo, dentro dessa moldura mais ampla da vida dos seus mensageiros, que ao mundo vamos em obediência e ao chamado do seu Senhor, na diversidade dos seus dons e vocações. É o que devemos fazer com discernimento, convicção, coragem e disposição para assumir riscos.
Meus irmãos e minhas irmãs,
A Deus, cujo poder já atua em nós, e é capaz de fazer infinitamente mais do que pedimos ou pensamos, a Ele seja sempre dada glória na Igreja e em Jesus Cristo. Amém (LOCb – Livro de Oração
É bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada.
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